Brutal, sem palavras e em lágrimas...
TESTEMUNHO
A família e o sofrimento
Casados há 17 anos e com 4 filhos recebemos no Verão passado, sem aviso prévio ou antecedentes familiares, a notícia de que um dos nossos filhos, então com 6 anos, tinha um cancro. Nestas linhas tentamos partilhar alguns pontos da nossa experiência em família da vivência desta situação.
Não nos parece que a questão que mais nos tenha ocupado tenha sido “porquê o nosso filho?”. Ao entrarmos no IPO demos de caras com todo um mundo novo, com uma concentração de sofrimento por metro quadrado que tornaria redutora e egoísta a pergunta “porquê o nosso filho?”. A fazer alguma pergunta seria “porquê a todos estes miúdos?”. Não tivemos (não temos) uma resposta a essa pergunta e nem sabemos se está ao alcance do entendimento do homem. Mas a experiência de sofrimento que atravessámos deu-nos muitas outras respostas, alertou-nos para outras perguntas, trouxe-nos luzes, abriu-nos horizontes, fez-nos redescobrir o nosso filho e reinventar a nossa relação com ele… É difícil sintetizar tudo o que a experiência nos trouxe e, na verdade, ainda estamos lentamente a tomar consciência daquilo que vivemos (passaram 9 meses, o nosso filho terminou tratamentos, estando agora sob vigilância, mas ainda estamos na descoberta do impacto em nós de tudo o que vivemos).
Durante estes meses de doença do nosso filho chegou-nos às mãos o livro de Pablo D´Ors “Viver, Amar, Morrer” sobre a doença de África Sendino. Nesse livro encontrámos esta frase: “Por fim, compreendo que a providência divina não é uma simples formulação, mas uma realidade quotidiana que me aguarda no rosto dos meus amigos. E vejo, como num espetáculo grandioso, até onde pode chegar a bondade de quem me rodeia”. Talvez aquilo que mais de fundo temos para partilhar é que, apesar de tudo o que vemos à nossa volta, a bondade anda espalhada pelo mundo. A nós chegou-nos das mais variadas formas. Recordamos, vamos recordar sempre, os que continuamente nos enviaram mensagens, os que tomaram conta das nossas outras filhas, os que nos visitaram, os que nos revezaram no IPO para que pudéssemos descansar ou jantar, os que rezaram (muitos nem sabemos os seus nomes), os que nos abraçaram, os que connosco choraram e riram, os que nos ajudaram em alterações logísticas em casa, os que enviaram medicamentos e presentes do estrangeiro, os que nos substituíram no trabalho, os que gastaram tempo a estudar e a pedir informações médicas, os que fizeram traduções, os que nos acolheram em férias, os que prestaram cuidados médicos, de enfermagem ou de apoio no IPO… No meio de uma situação muito complicada e envolvidos num ambiente em que vimos situações muito duras ficou para nós uma experiência muito grande da bondade. E o suporte que recebemos da nossa família, dos nossos amigos e da comunidade de que fazemos parte permitiu que o nosso filho tenha passado por momentos muito bons e que seja globalmente boa a sua perceção deste tempo.
O tempo que passámos no IPO permitiu-nos também fazer uma experiência única de proximidade com pessoas que até então nos eram totalmente desconhecidas, ver corações a alegrarem-se e a sofrerem com as alegrias e os sofrimentos dos outros, ver como é possível estar em comunhão quando a fragilidade humana faz cair as barreiras (culturais, sociais, intelectuais, financeiras, religiosas, …) que normalmente nos separam. Quando vemos o nosso filho deitado numa cama ao lado de outros, quando vemos o olhar ansioso de uns pais enquanto aguardam os resultados de um exame do seu filho, ou quando vemos um avô a cuidar de um neto como se fosse pai segunda vez, damo-nos conta de que somos todos parecidos, todos frágeis mas também todos preciosos, com uma grande capacidade de amar, todos filhos do mesmo Deus.
texto escrito por Inês e Miguel Madeira
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