sexta-feira, 8 de maio de 2015

Na "segunda" pessoa...


Pedi à "mãe" se me autorizava a escrever a minha visão do parto. Assim, no seguimento do título do post da mãe, surge o meu.
Porque realmente acredito que, muitas vezes, o papel do pai nem é considerado como secundário, é mesmo considerado insignificante, é relegado para outro plano e acho que é importante que, sem de modo algum menosprezar todo o papel da mulher, dar a conhecer o que sente um pai (eu!), durante uma noite com esta (e aí vão 3!).

No outro dia ao apagar mensagens antigas no telemóvel, vi uma mensagem que mandei a um amigo nosso, cujo trabalho de parto da mulher se estava a prolongar por horas infindáveis... Na altura, senti necessidade de lhe dizer, de pai para futuro pai, de marido para marido, que compreendia a frustração dele, o querer ajudar e não poder fazer nada, a impotência que ele devia estar a sentir... E que a única ajuda que ele podia dar era estar ali, junto dela. Nós, homens, temos esta mania de ter que ser fortes, dominar a situação, e não poder mostrar essas nossas fragilidades.
A isto junta-se o facto de, muitas vezes, existir o preconceito de achar que o Homem é o gabarolas mas que na hora da verdade não era capaz de aguentar o sofrimento...
Eu digo: não sei o que são as dores de parto, mas naquele momento em que vejo - impotentemente - a minha mulher, que tanto amo, a sofrer, trocaria de lugar com ela - tal como uma mãe trocaria de lugar com um filho quando o vê em sofrimento - para ser eu a sofrer.

O papel do Pai é ingrato!
Ontem, estávamos em casa, a contar contracções. Umas mais fortes, outras mais lentas. Às vezes ela fazia: ai, ai, ai! E eu perguntava o que foi? É para irmos já para o hospital?
- Não, era só esta que era um bocadinho mais forte.
E ali ficamos sem saber como ajudar...

Depois decidimos arrancar. Chegar. Estacionar. Amparar. Dominar uma situação que não podemos dominar: porque não a conhecemos.
E esperar. Esperar na incerteza de não saber o que se passa no outro lado das portas por onde as nossas mulheres entraram.
As mães não conhecem o mundo da sala de espera. De pais mais ou menos nervosos. De pais que precisam de apoio ou de pais que querem ficar sozinhos. O mundo da espera desesperante.

Ontem, quando a Ritita veio ter comigo e disse que tinha 6 dedos de dilatação (e porque o facto de ter 3 filhos tem que servir para alguma coisa:)) perguntei-lhe: mas ainda vais ter epidural?
E ela: Sim, sim.
Sentei-me: sem a contrariar (porque não se pode contrariar uma grávida com 6 dedos de dilatação:P), mas convencido de que o anestesista não chegava a tempo. Quando acabou a série violenta que estava a dar na TV da sala de espera àquela hora, fui ter com a rececionista e disse: 
- Ainda não me chamaram para entrar. É porque a minha mulher já está a receber a epidural? É porque eu costumo entrar e sair no momento da epidural...
Ela lá deve ter percebido que eu dominava um bocadinho mais a situação (já era repetente...) e disse:
- Não. Ainda não. Mas então vou passar a pô-lo a par da situação.
Mas nisto passa uma enfermeira atrás e diz: é o acompanhante da Rita? Ah pode entrar já. É porque ela já não vai levar epidural (inevitavelmente pensei: claro, eu sabia!). Mas só disse: ah, não? Pois então tenho mesmo que entrar já! Alguém vai ter que a acalmar...

Os segundos em que vesti a bata, guardei os meus pertences no cacifo, desinfetei as mãos e caminhei até ao bloco de partos ("avance diretamente até ao bloco de partos, sem passar nas casas da dilatação") foram os segundos em que me mentalizei para o cenário de "desorientação" que ia encontrar e como ia ter que tomar o controlo da situação. 

Cheguei ao bloco e ela diz-me, de olhos arregalados: já sabes que não vou ter epidural?
- Sei. Mas é assim. Todos são diferentes e se há centenas (milhares?) de mulheres que conseguem tu também vais conseguir!
Os minutos que se seguiram foram (e são!) uma busca incessante do equilíbrio entre ter umas piadas com as enfermeiras (para cairmos nas boas graças delas. Ontem até lhes disse: digam-me o que fazer, que eu não sou dos pais que desmaiam!), piadas para a mãe para aligeirar o momento ("eu sabia que devia ter trazido o martelo para a anestesia"), ser prático e útil ("onde é que posso ir molhar as compressas que a minha mulher está a pedir"), verificar que tudo está a correr bem, principalmente quando a enfermeira diz a meio do trabalho de parto ("oops, devia ter feito uma episiotomia") e dominar a situação como nos compete ("tu és capaz", "faz força agora", "já vejo mesmo a cabeça"). 
Isto claro sem nunca largar a mão. 
Mas sem apertar demasiado, porque magoa.
Mas sem afrouxar demasiado, para perceber que tem que fazer força.
Em equilíbrio. Em domínio da situação. :)
É igual aos filmes... Mas com a nossa mulher! É ela que tem suor a escorrer. É ela que faz força até parecer que as veias vão saltar. É ela que olha para nós a querer dizer: "faz qualquer coisa. Puxa esta criança. Tira-a de dentro de mim!!" E esta criança que nasce e chora (que queremos que chore!) é o nosso filho! Esta criança que demora 2 minutos a sair mas que a nós nos parecem horas. 
Compete-nos ver se nasce bem. Compete-nos ver se a mãe ficou bem. Compete-nos ver se a enfermeira a costura bem. 
Compete-nos continuar a dominar a situação: ver se estão a pôr a etiqueta certa. Se dão atenção à nossa mulher. Se cuidam bem do nosso filho.
Ah! sem largar a mão!




Ser pai, nesta noite é como ser um encenador. Fica nos bastidores. Ouve os aplausos, rejubila por dentro porque contribuiu para o espectáculo. Mas sabe que não representou...
O seu papel é na sombra!

Sempre foi meu propósito de vida que, qualquer que seja o nosso papel (na vida, no trabalho, numa peça) devemos assumi-lo por inteiro, como se fosse o de protagonista.
No que me diz respeito, adoro ter este papel!! E é muito melhor quando o papel de atriz principal é desempenhado por uma pessoa que tanto admiro! E que sei que mesmo que lhe mudem as falas, acabará sempre por brilhar e por ter a plateia a aplaudir... de pé!

O Pai

7 comentários:

  1. Amei. Amei. Amei. Como amei o papel (fundamental!) do meu Manel em cada um dos partos, e muito particulamente neste último em que senti que (verdadeiramente!) parimos JUNTOS. A nossa história foi tão diferente e tão parecida com a vossa. Não sei como a Rita vai olhar para esta vossa experiência... Para mim foi e ha de ser o momento em que o amor sem medida que sentia pelo meu marido aumentou mais um bocadinho (como é que é possível?!) e cada vez que regresso a ele - àquela intensidade, à dor, à desorientação, à emoção, à superação... e ao seu suporte, o seu incentivo, a sua mão dada na minha, a confiança de que eu (nós) era capaz... - o amo tanto e mais outro bocado. Obrigada pelo teu texto. O pai no parto. Amo. Eu não teria conseguido sem ele. (Rita, escusas de tentar, este é o post do ano! ;) )

    ResponderEliminar
  2. Muito bom o teu testemunho!Para além de um grande pai e uma grande mãe as 3M's têm o Amor de uma familia!Beijos

    ResponderEliminar
  3. Letícia Estanqueiro9 de maio de 2015 às 17:22

    Lindo, até me arrepiei! Como eu compreendo a situação!

    ResponderEliminar
  4. Muitos parabéns pelas lindas palavras dedicadas à sua mulher! Um beijinho grande e parabéns pelas princesas...

    ResponderEliminar
  5. Até fiquei de lágrimas nos olhos!

    Parabéns a vós!

    Beijinho

    ResponderEliminar
  6. Speechless JP!!! Awesome DAD! Sabes bem que sem bastidores não há papéis principais!!
    Beijinhos e Parabéns (Cristina S.)

    ResponderEliminar